Nova biografia de Raul Seixas revela as loucas histórias dos shows do cantor
Em
1985, esquecido e já debilitado pelo excesso de álcool, Raul Seixas foi fazer
uma turnê pelos garimpos do Pará. Num show, alguém o viu se aplicando uma
injeção de insulina, achou que era droga, chamou a polícia e deu-se um rebu. Em
1989, dois dias antes de morrer, o Maluco Beleza lançou seu último disco, “A
panela do diabo”, onde cantava: “E lá em Serra Pelada, ouro no meio do nada/
dor de barriga desgraçada resolveu me atacar/ o show estava começando e eu no
escuro me apertando/ e autografando sem parar”. “Banquete de lixo” era a
lembrança de shows em Marupá e Itaituba, às margens do Tapajós, num cenário de
bangue-bangue, bebida a rodo e voos perigosos em teco-tecos.
Até
hoje, o que se sabia dessa saga estava na revista “Status”, num relato do
jornalista Pepe Escobar, que estava em Itaituba. Mas agora, para celebrar os 30
anos da morte do pai do rock brasileiro (em 21 de agosto), o jornalista Carlos
Minuano revela tudo desta turbulenta história na biografia “Raul Seixas por
trás das canções” (Best Seller).
O
livro é uma das surpresas em torno da data. Para novembro, está previsto o
lançamento de “Raul Seixas: Não diga que a canção está perdida” (Todavia),
escrito pelo jornalista Jotabê Medeiros, com revelações sobre períodos obscuros
da carreira do cantor. Ainda sem data, está prevista também uma cinebiografia a
ser dirigida por Paulo Morelli para a O2 Filmes. E haverá e a edição em LP
duplo do raro “Eu não sou hippie”, gravação de um show de 1974.
Carlos
Minuano coletou depoimentos de Tony Osanah, guitarrista da banda, e de Gato
Félix, ex-percussionista dos Novos Baianos que atuou como empresário na
malfadada turnê garimpeira. Encontrou a fotógrafa que viajou com Pepe, Cristina
Villares, que por dias revirou seus arquivos em busca de imagens inéditas dos
shows de 1985. As descobertas são enfim reveladas no livro de Minuano.
— A
ideia era fazer uma biografia musical, mas no meio do cancioneiro acabaram
entrando histórias muito loucas — conta o jornalista.
DO OSTRACISMO À LENDA
Quando
morreu, de pancreatite, Raul era um artista solitário, com a saúde e as
finanças em frangalhos, relegado ao ostracismo, que o ex-Camisa de Vênus
Marcelo Nova tentava reerguer em shows do LP conjunto “A panela do diabo”. Aos
44 anos, seus discos estavam, em boa parte, fora de catálogo, e a bibliografia
sobre ele era escassa.
Da
morte para cá, Raul tornou-se uma lenda. Inspirou dezenas de livros, até edição
psicografada (como “Um roqueiro no além”, de Nelson Moraes). São obras que vão
“dos lixos mais absurdos, viagem de cogumelo” a “trabalhos acadêmicos maçantes,
mas muito sérios”, como diz Sylvio Passos, presidente do Raul Rock Clube (do
qual o primeiro associado foi Raul). Amigo do cantor, Passos é guardião de sua
memória e organizou o livro “Raul Seixas por ele mesmo” (1990).
Além
da aventura amazônica do cantor baiano, “Raul Seixas por trás das canções”
passa também por suas transformações musicais. E traz histórias engraçadas,
como quando ele encontrou Tancredo Neves em campanha presidencial (contada pelo
amigo e ex-empresário Beto Sodré). Ou violentas, como a do argentino Hugo Angel
Amorrotu, que traficava cocaína e foi assassinado em Copacabana em 1979 no
apartamento que alugava de Raul.
Não
escapa de lembrar, ainda, a missa antes do enterro do cantor, invadida por mais
ou menos uma centena de pessoas gritando “Viva, viva, viva a Sociedade
Alternativa!” e que tentaram roubar o caixão com seu corpo, para que não enterrassem
o ídolo.
—
Muitos fãs querem manter Raul no lugar do maluco, quando o cancioneiro dele é
fantástico — diz Minuano. — Tinha um carisma que conseguiu transferir para a
obra.
Roqueiro,
místico, filósofo, cronista, tirador de sarro, romântico… várias são as
personas assumidas por Raul Seixas em suas canções. E é na menos conhecida
delas, arquiteto do brega, que o jornalista Jotabê Medeiros joga luzes em “Raul
Seixas: Não diga que a canção está perdida”, que sai em novembro pela Todavia.
DISCO MALDITO
No
começo dos anos 1970, ainda mordido por não ter conseguido estourar no Rio com
os Panteras, sua banda de Salvador, Raul recebeu um convite para ser produtor
na CBS, gravadora de Roberto Carlos. Lá, com o parceiro Mauro Motta, ele
cuidava dos discos de um time de artistas que fariam muito sucesso com canções
simples, pós-jovem guarda: Odair José, Diana, Márcio Greick, José Roberto,
Paulo Gandhi, Monny e Balthazar. Nesta temporada do outro lado do balcão, Raul
andava de terninho preto, cabelo penteado e óculos de grau.
— Ele
e Mauro trabalharam como loucos e fizeram algumas das músicas mais tocadas do
Brasil, como “Ainda queima a esperança”, da Diana. Músicas essas que trouxeram
a contribuição da periferia para o grande mundo discográfico — explica Jotabê —
Na série de LPs “As 14 mais”, Raul sempre dava um jeito de colocar uma
composição sua, nas vozes de outros cantores, já que ele não tinha como gravar
como artista porque o Evandro Ribeiro, diretor da CBS, não gostava.
Foi
nesse período na gravadora que Raul realizou, sem que Evandro soubesse, o
conceitual “Sessão das dez”, com o grupo Sociedade da Grã-Ordem Kavernista —
irmandade formada por ele, Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada. O LP
maldito, que foi recolhido logo após o lançamento, em julho de 1971, inspirou
nos últimos anos nada menos que dois espetáculos cover, um no Espírito Santo
(com o Coletivo Taruíra), outro em São Paulo (com os Kavernistas do Terceiro
Milênio).
“Sessão
das dez” foi a pirraça do produtor Raul, que em 1972 se lançou como artista
solo nos festivais com “Let me sing, let me sing”.
Para o
livro, o jornalista levantou com Edy Star (o único kavernista vivo) e o
arranjador húngaro Ian Guest (que participou das gravações) histórias inéditas
sobre “Sessão das dez”. Além disso, Jotabê promete algumas revelações “que vão
balançar um pouco as convicções sobre o Raul”, como a sua relação com seitas
satânicas junto do parceiro Paulo Coelho.
— Raul
poderia ser muito generoso, nunca abandonou os amigos de primeira hora, mas
também era capaz de algumas perversidades. Ele era um ser humano complexo — diz
Jotabê.
TOCAM RAUL
Uma
cinebiografia a ser dirigida por Paulo Morelli para a O2 Filmes (ainda sem data
para produção ou definição do elenco) é outra grande novidade que se aguarda
acerca de Raul Seixas. Já na área fonográfica, sai em novembro a edição em
vinil duplo de “Eu não sou hippie”, registro raro que saiu no formato de CD em
2014. Trata-se da gravação de um show de 1974 na cidade mineira de Patrocínio.
A iniciativa é da loja Record Collector junto com o 180 Selo Fonográfico.
— “Eu
não sou hippie” foi feito a partir de uma fita cassete de qualidade sofrível.
Voltamos à fita e realizamos um trabalho moderno de remasterização para o
vinil. O Raul estava cantando muito bem naquele show — explica Fred Cesquim, da
Record Collector. — Ainda conseguimos fotos inéditas da época, que serão usadas
no projeto gráfico.
E os
30 anos da morte de Raul Seixas também serão marcados por eventos. No próximo
sábado, Marcelo Nova celebra o disco “A panela do diabo” em show no Circo
Voador. Dia 10, na Praça da República, em São Paulo, acontece o espetáculo “O
início, o fim e o meio”, com participações de Sylvio Passos, Carlos Eládio
(guitarrista dos Panteras) e Edy Star. E no dia 21, também na capital paulista,
haverá a Passeata Raul Seixas, que em seu 29º ano sai do Teatro Municipal rumo
à Praça da Sé.
Fonte: Silvio Essinger – O Globo
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