Fiadora não tem autorização do Banco Central para financiar construção de um novo Autódromo no Rio de Janeiro
Própria Maxximus Bank, fiadora do negócio, diz que não é banco. Vencedora da licitação é investigada pela CVM por não ser 'compatível com o porte do empreendimento'.
Vencedora
da licitação do autódromo de Deodoro, a Rio Motorpark apresentou como garantia
à Prefeitura do Rio uma carta-fiança de quase R$ 7 milhões do Maxximus Bank,
empresa que não é uma instituição autorizada pelo Banco Central. A prefeitura
aceitou a garantia e afirmou, em nota, que a empresa era um “banco de primeira
linha”. A própria Maxximus negou que seja um banco.
O
valor estimado do contrato de concessão do autódromo é de R$ 697 milhões. Para
uma empresa poder participar da concorrência, o edital exige uma garantia de 1%
deste valor: R$ 6,97 milhões.
A
Rio Motorpark foi criada 11 dias antes da licitação ser lançada e tem capital
social de R$ 100 mil, o equivalente a 0,14% do exigido para a concessionária
que irá construir e operar o autódromo.
Para concorrer, a empresa recorreu ao Maxximus
Bank, que tem sede em Bauru, no interior de São Paulo, e incluiu a carta-fiança
nos documentos do processo de licitação.
O seguro, no entanto, não cumpre os requisitos do
edital, que exige uma das seguintes garantias:
·
caução em dinheiro ou títulos públicos (não foi
feito);
·
seguro emitido por uma seguradora;
·
fiança bancária emitida por uma instituição
financeira registrada pelo Banco Central.
é banco nem seguradora
RJ2
Além de não ter registro no Banco Central, a
Maxximus não é seguradora, de acordo com a Superintendência de Seguros Privados
(Susep). A empresa tem capital social de R$ 66 milhões e tem dois sócios, que
vivem em casas simples em São Paulo e Bauru.
O que dizem os citados
A Maxximus Bank disse que não é banco, é uma
empresa fiduciária, que, pelo código civil, pode fazer cartas de fiança.
A prefeitura diz que "a instituição que emitiu a carta fiança
com base na previsão do Código Civil e que já emitiu cartas para outras
licitações no município". "Forneceu fiança para vários órgãos
conforme consta no site da instituição, tais como TCU, Exército, Marinha, Força
Aérea, FIFA, IBAMA , ANEEL e que está regular com o procedimento
licitatório", acrescenta o texto.
Em nota, a Rio Motorpark disse que "utilizou fiança bancária
emitida pela instituição fiduciária Maxximus Bank devido ao seu extenso histórico
de prestação de serviços semelhantes ao Governo do Estado e a Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro, dentre eles, nos Jogos Olímpicos de 2016".
Empresa que deu garantia em licitação do autódromo
de Deodoro não é banco A
Motorpark, vencedora da licitação, pertence a uma offshore, a Rio Motorsports
LLC, sediada em Delaware, nos Estados Unidos. A legislação local protege o
anonimato dos sócios.
No último sábado (29), a Prefeitura do Rio afirmou que a Rio
Motorpark tinha apresentado uma garantia financeira de um "banco de
primeira linha". O Banco Central informou que a Maxximus não é um banco e
nem tem registro no sistema como agente financeiro.
Acórdão do TCU
Em uma determinação de 2017, ministros do TCU
entenderam que a fiança bancária só "deve ser emitida por instituição
financeira autorizada a operar pelo Banco Central do Brasil".
Na ocasião, a Corte julgou um contrato em que a Maxximus Bank
oferecia garantia semelhante para a Universidade Federal de Pernambuco. A Corte
entendeu que a empresa não poderia ser fiadora, já que não é uma instituição
financeira.
O TCU informou que não há acórdão posterior que trate do tema — ou
seja, o entendimento do tribunal permanece inalterado.
O professor de Direito Econômico da UFPR e membro da OAB do Paraná
Egon Bockmann Moreira diz que há ilegalidade quando a empresa que oferece a
garantia não está apta para oferecê-la.
"A carta-fiança e o seguro-garantia só serão válidos se dados
por pessoas autorizadas pelo Banco Central e pela Susep. Se não derem, não vale
e a proposta não vale também", afirma.
Segundo ele, a administração pública tem a obrigação de investigar a
origem dos documentos das empresas participantes do certame.
"Se, porventura, não o fez e celebrou o contrato e depois
constata que esse documento não foi por exemplo emitido por uma empresa que
poderia tê-lo emitido, não foi emitido por um banco ou por uma seguradora, esse
documento nada vale. Então de usual, o que isso tende a gerar é a nulidade do
contrato (de licitação) que foi assinado", afirma.
O especialista diz que "não é banal empresas recém constituídas
participarem" de uma licitação, mas que não há ilegalidade caso a empresa
atenda todas as especificações do edital. Caso não sejam obedecidos, podem
significar riscos ao poder público.
"O que a administração pública precisa saber é se a pessoa que
está fazendo a proposta e depois vai assinar o contrato tem condições
financeiras desse tal contrato, tal como previsto no edital. É isso que ela
precisa saber".
Apesar do impedimento, mesmo depois do acórdão, a Maxximus já teve a
carta-fiança aceita por outros órgãos, como o Hospital das Clínicas de
Botucatu, que a recebeu como garantia de um contrato firmado com uma empresa de
serviços de recepção.
A empresa, entretanto, deixou de prestar os serviços e teve o
contrato rescindido pelo hospital, que procurou a Maxximus para receber a
garantia. A Maxximus informou, então, que não poderia pagar pois teria de ser
notificada dos descumprimentos em 3 dias. O hospital busca, por meio da
Procuradoria da Fazenda do Estado de São Paulo, obter o ressarcimento.
Vencedora da licitação é
investigada pela CVM
A Comissão de Valores Imobiliárias (CVM) abriu
uma investigação sobre a Rio Motorpark após o presidente da empresa, José
Antônio dos Santos Pereira afirmar que os investimentos necessários para as
obras do autódromo viriam de fundos de investimento.
Nnesta quarta-feira (3), os técnicos do órgão
manifestam preocupação com possíveis prejuízos a investidores e consideram que
“a situação cadastral, patrimonial e física da Rio Motorpark não é compatível
com o porte do empreendimento”.
Indícios de direcionamento
O Ministério Público Federal (MPF) identificou
indícios de direcionamento da licitação e enviou na última sexta-feira (28) uma
notícia-crime para o MP estadual (MPRJ), que é o responsável pelos casos na
esfera municipal. O órgão federal pediu a apuração de crime da Lei nº 8.666/93,
a Lei das Licitações. O MPF considerou que houve redução das exigências no
edital, curto espaço de tempo e divulgação restrita, limitando a entrada de
concorrentes. O MPRJ informou que irá analisar o documento.
O MPF tentou suspender a licitação por falta de estudos de impacto
ambiental do projeto em área de Mata Atlântica. A concorrência, no entanto, foi
realizada antes que a Justiça analisasse o pedido. O MPF já tinha obtido
decisão da Justiça proibindo a construção no terreno, que pertence ao Exército
e fica na Floresta do Camboatá.
O presidente da Rio Motorpark é José Antonio
Soares Pereira Júnior, conhecido como JR Pereira, e presidiu também a Crown
Processamento de Dados, que fez os estudos que embasaram o edital da
concorrência.
A Crown faliu e acumulou R$ 24,7 milhões de débitos na dívida ativa
da União, além de 20 ações trabalhistas. O empresário também está inscrito na
dívida ativa como pessoa física, com saldo negativo de R$ 85,5 mil.
A prefeitura do Rio e a Rio Motorpark negam qualquer irregularidade.
Afirmam que a licitação foi baseada em um procedimento de manifestação de
interesse (PMI) e que, neste caso, é permitido que a empresa que fez o estudo
que baseia o edital pode participar da concorrência.
Disputa de sedes
O Grande Prêmio de Fórmula 1 é realizado desde
1990 no autódromo de Interlagos, em São Paulo. O contrato da empresa que
administra a Fórmula 1 com São Paulo vence em 2020, e o governo paulista tem
interesse em renovar o contrato.
Em maio deste ano, o presidente Jair Bolsonaro disse que o GP do
Brasil passaria a ser realizado no Rio de Janeiro, em um autódromo a ser
construído em Deodoro, na Zona Norte da cidade. Um termo de cooperação,
inclusive, chegou a ser assinado por Bolsonaro, o governador Wilson Witzel e o
prefeito Marcelo Crivella.
O governador de São Paulo, João
Dória, negou a mudança e fez críticas ao projeto, que foram
rebatidas por Witzel.
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